O recurso apresentado pelo Ministério Público tenta forçar decisão no caso da intervenção na Federação Maranhense de Futebol; juristas afirmam que o MP e a Vara de Interesses Difusos não têm competência para intervir em matérias internas de entidades esportivas privadas.
O Ministério Público do Maranhão (MP-MA) apresentou agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça do Estado (TJMA) alegando omissão do juiz Douglas de Melo Martins, titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís, no processo que trata da intervenção judicial na Federação Maranhense de Futebol (FMF) e no Instituto Maranhense de Futebol (IMF).
O recurso, assinado pelas promotoras de Justiça Alineide Martins Rabelo Costa e Doracy Moreira Reis Santos, afirma que 17 petições apresentadas entre agosto e outubro de 2025 permanecem sem análise.
O MP pede que o tribunal determine a imediata apreciação desses requerimentos, alegando que são indispensáveis à continuidade da intervenção.
O episódio reacendeu uma discussão de maior alcance jurídico: a própria falta de legitimidade do Ministério Público e da Vara de Interesses Difusos e Coletivos para intervir em matérias que são eminentemente internas (interna corporis), típicas da autogestão das entidades esportivas.
Especialistas questionam legitimidade e competência da Vara e do MP. Juristas consultados sustentam que a atuação do MP nesse caso é incompatível com a Constituição Federal e com a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).
Ambos os dispositivos asseguram a autonomia das entidades desportivas para se organizarem e se administrarem, sem interferência do Estado, salvo quando houver uso de recursos públicos — o que não ocorre no caso da FMF.
“O Ministério Público tem legitimidade para fiscalizar o uso de dinheiro público e proteger direitos difusos. Mas, em uma federação esportiva que movimenta recursos privados, as questões são internas e de competência da assembleia geral. Não há legitimidade nem base legal para uma intervenção estatal dessa natureza”, afirma um professor de Direito Constitucional ouvido sob reserva.
De acordo com especialistas, as alegações do MP sobre suposta gestão temerária e irregularidades contábeis deveriam ser examinadas no âmbito da assembleia geral da entidade, conforme o estatuto da própria FMF, e não em juízo.
“É como se o Estado resolvesse interferir na administração de um clube privado sem qualquer indício de uso de verba pública. Isso rompe o princípio da autonomia esportiva previsto no artigo 217 da Constituição”, explica.
STF ACOMPANHA O CASO E SUSPENDE TODOS OS ATOS DA INTERVENÇÃO
O processo também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na segunda-feira (6), o ministro Flávio Dino determinou que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se manifeste em até dez dias sobre o pedido de liminar apresentado pela defesa de Antônio Américo, presidente afastado da FMF.
O ministro destacou que a CBF tem interesse direto no processo, já que a FMF é entidade filiada à confederação nacional. Enquanto o pedido não é analisado, Dino suspendeu qualquer ato judicial ou extrajudicial que envolva a FMF, incluindo alterações estatutárias, substituições de dirigentes e novas eleições.
Somente atos de gestão rotineiros e urgentes poderão ser realizados, desde que com autorização expressa do juiz de primeiro grau. Segundo o despacho, a medida busca evitar “prejuízos irreparáveis” à federação e assegurar estabilidade institucional enquanto o Supremo analisa o mérito da liminar.
INTERVENÇÃO FICA RESTRITA E DEBATE JURÍDICO SE AMPLIA
Com a decisão do STF, as atividades da Junta Interventora, chefiada pela advogada Susan Lucena, ficam limitadas à gestão administrativa básica. Medidas estruturais, políticas ou eleitorais estão suspensas até nova decisão do Supremo.
A intervenção, decretada após ação civil pública movida pelo MP-MA, pede o afastamento definitivo dos dirigentes, a condenação ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, o ressarcimento de prejuízos patrimoniais e a inelegibilidade dos envolvidos por dez anos para cargos em instituições esportivas. Assuntos que somente a assembleia geral da entidade (FMF) tem legitimidade para apreciar.
Para juristas, além de juridicamente frágil, a ação representa uma ameaça ao princípio constitucional da autonomia desportiva.
“A intervenção viola a essência da Constituição. Não se trata de proteger o interesse público, mas de invadir a esfera privada de uma entidade autônoma. É um precedente perigoso”, alerta um especialista em direito desportivo.
O desfecho do caso, agora nas mãos do TJMA e do STF, deverá definir não apenas o futuro da FMF, mas também os limites da atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário em matérias internas de entidades esportivas, reafirmando — ou não — a fronteira entre o papel fiscalizador do Estado e a liberdade institucional das organizações privadas. (O Informante)
One Response
Pergunto: Por quê o ex-presidente da Federação Maranhense de Futebol, Carlos Alberto Ferreira foi afastado com toda a diretoria, cujo interventor foi Antônio Américo Gonçalves que em seguida se candidatou e se elegeu presidente da FMF.
Agora, ele é afastado e toda a diretoria, os especialistas entram em ação pra dizer que afastar Antônio Américo está errado?