
Por Nonato Reis*
Para Josué Montello, imortalizado em livros como Os Tambores de São Luís, Cais da Sagração e Noite sobre Alcântara, as ruas da velha cidade, de tão belas e alegres, constituíam uma espécie de todo-alvorada e harmonia. “Aprendi a amá-las desde menino, inundadas de luz matinal, com o sol a se refletir nas suas fachadas de azulejos”.
E prosseguindo no seu devaneio nostálgico: “De noite, se por elas me extraviava, tinha a companhia romântica, que parecia ir comigo ladeira abaixo ou ladeira acima, tocando as valsas de Inácio Cunha ou as polcas de Pedro Cromwell”. E, como que do idílio desperto, em plano aberto: “Muita coisa ali está mudando a ponto de eu me perder nas velhas ruas de minha infância e juventude”.
Certamente, as ruas que encantaram o romancista e serviram de moldura para suas obras imortais não existem mais; pelo menos não com a beleza e o fulgor de antes. O escritor chega a admitir que, com o passar do tempo muita coisa mudou, a ponto de se perder naquele cenário de luz que testemunhara.
Posso ir mais longe e arriscar que, se vivo, e retornasse ao centro histórico de São Luís, Josué Montello poderia sofrer uma síncope, diante do ambiente decadente e promíscuo em que se transformou a velha cidade, salpicado de prédios caindo aos pedaços – as paredes de azulejos desfiguradas, os mirantes de ferro oxidados e ervas daninhas ao redor – lixo jogado a esmo pelas calçadas, galerias de esgoto entupidas, calçamento danificado, escombros.
Por toda a parte, grassam a solidão e o descaso, numa mistura combinada e criminosa. É como se o centro histórico tivesse sido alijado do restante da cidade, em razão da completa ausência dos planos de trabalho tanto da Prefeitura como do Governo do Estado. Braide e Brandão, que ocupam as redes digitais, numa disputa renhida, para mostrarem ao eleitor quem é melhor tocador de obra, simplesmente esqueceram do que a cidade tem de mais belo e atraente – a sua própria alma, que, aliás, deu a ela o título de Patrimônio Histórico da Humanidade.
É de se perguntar, de que vale um corpo sem alma? Se não cuido da minha essência, o que estou fazendo por mim? E nisso me aflora à mente a frase do genial Van Gogh, o pintor holandês que, no século passado, encantou o mundo com suas telas magníficas: “Eu tenho a natureza, a arte e a poesia, e se isso não for o suficiente, o que é?”. Respondam Braide e Brandão.
Numa análise rasa da frase de Van Gogh, pode-se dizer que, dos três elementos citados, temos a natureza, triste, envelhecida, à beira da morte. A arte que projeta e a poesia que dar vida e cores, essas, se não falecidas, foram deixadas de lado, num canto esquecidas, como os montes de lixos, displicentemente, largados à porta dos prédios.
Josué Montello, em seu Os Tambores de São Luís, criou uma cena de sentido único, que vai da primeira à última página, em duas linhas narrativas combinadas, mas que se completam apenas no final. Nela o negro Damião caminha, tarde da noite, por uma São Luís das primeiras décadas do século XX, dos arredores da Rua de São Pantaleão até o Largo dos Amores, onde pretende visitar o seu trineto que está a nascer.
No livro ele consegue chegar ao seu destino, mesmo cansado, porém, íntegro. Fosse nos dias de hoje, muito provavelmente, tombaria pelo meio do caminho, vítima de um assalto à mão armada. Porque, enquanto os poderes lançam seus olhos para outras áreas da cidade, quem sabe mais densas, eleitoralmente, no coração da velha cidade florescem o abandono, o medo e a criminalidade.
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Uma reflexão pelos 413 anos de São Luís
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*Jornalista/Escritor
Fotos de Josy Ribeiro e Nonato Reis

Graduado em Jornalismo, Luiz Antonio Morais é pós-graduado em Design Gráfico e Publicitário. Mantém o blog desde 2008, um dos mais antigos do Estado.




