Em meio a um cenário de crescente tensão entre a imprensa e o sistema de Justiça maranhense, o caso do jornalista Maxsuel Bruno Pereira Vieira, alvo de duas ações judiciais movidas pela advogada e interventora da Federação Maranhense de Futebol (FMF), Susan Lucena Rodrigues, reacende o debate sobre os limites da liberdade de imprensa e o papel garantidor — ou punitivo — do Judiciário em relação à crítica jornalística.
As ações, protocoladas nas 2ª e 4ª Varas Cíveis de São Luís, tratam de pedidos de remoção de matéria jornalística, direito de resposta e indenização por danos morais, após a publicação de reportagem no portal BMAX Sports, na qual o jornalista noticiou suposta recusa da interventora em divulgar lista de gratuidades no Estádio Castelão.
O peso da caneta contra a pena
A reportagem — que citava questionamentos públicos sobre transparência e gestão — deu origem a duas ações simultâneas, uma pleiteando obrigação de fazer e tutela de urgência para retirada da notícia do ar, e outra por danos morais. Ambas afirmam que o jornalista teria “distorcido fatos” e “imputado falsamente conduta dolosa” à interventora.
O ponto mais controverso é o uso da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) como argumento central da acusação — sob o pretexto de que Maxsuel teria erroneamente exigido transparência de um ente privado. Contudo, a própria narrativa revela a essência do jornalismo investigativo: questionar autoridades, exigir prestação de contas e exercer o direito constitucional à informação, garantido pelos arts. 5º, IX, e 220 da Constituição Federal.
A ofensiva judicial contra Maxsuel — ainda em fase inicial — ilustra um padrão de judicialização punitiva da crítica, um fenômeno que o Conselho Federal da OAB e entidades de imprensa vêm denunciando nacionalmente.
O precedente perigoso e a omissão institucional
Os dois processos tramitam com pedidos de urgência, incluindo multas diárias de até R$ 5 mil caso o jornalista não remova o conteúdo. A atuação célere do Judiciário contrasta com a morosidade em garantir o direito à liberdade de expressão, transformando o exercício da crítica em um risco jurídico permanente para comunicadores maranhenses.
Esse quadro expõe o que juristas chamam de “insegurança jurídica da imprensa” — a ausência de parâmetros uniformes na aplicação da Constituição, que permite que juízos locais imponham censura prévia disfarçada de tutela de urgência.
A situação se agrava pela inexistência, até o momento, de um canal institucional da OAB/MA para proteger jornalistas e advogados perseguidos por opinião, lacuna que motivou a recente Proposta de Criação da Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão e de Imprensa, apresentada pelo advogado, contador e jornalista José de Ribamar da Cruz Neto (OAB/MA 29.371).
Proposta na OAB/MA
O documento, protocolado sob o nº OAB/MA 10.0000.2025.013700-8, propõe que a Ordem maranhense assuma papel ativo na defesa de comunicadores e juristas vítimas de censura, intimidação ou violência, atuando como amicus curiae em casos paradigmáticos e promovendo pareceres e notas técnicas de alcance nacional.
A proposta lembra que o Maranhão é historicamente um estado hostil à crítica jornalística, com episódios que vão desde o assassinato do jornalista Décio Sá (2012) até agressões recentes a repórteres em plena cobertura eleitoral.
Segundo o texto, “o Maranhão não está alheio ao cenário nacional de crescente intimidação e violência contra jornalistas, blogueiros e advogados que atuam em defesa da liberdade de expressão”, apontando a necessidade de que a OAB/MA alinhe-se ao exemplo do Conselho Federal e da OAB/SP, que já possuem comissões permanentes para o tema.
Entre o direito e o medo
O caso de Maxsuel é, portanto, um divisor de águas para a advocacia e o jornalismo maranhense. A depender do desfecho judicial, pode-se consolidar um perigoso precedente de criminalização da crítica institucional — um tipo de censura judicial incompatível com o Estado Democrático de Direito.
A Constituição é clara: a liberdade de imprensa é cláusula pétrea, e o Supremo Tribunal Federal, em decisões como a ADPF 130, já fixou que “eventuais abusos devem ser corrigidos a posteriori, nunca por censura prévia”.
Maxsuel, como tantos comunicadores que ousam questionar o poder, não é um réu isolado, é um símbolo de uma classe que trabalha sob o risco de ser processada por exercer o dever constitucional de informar.
Conclusão
Em um estado onde a caneta judicial tem sido usada para intimidar a pena jornalística, a criação da Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão e de Imprensa da OAB/MA surge não apenas como uma necessidade jurídica, mas como um ato político e civilizatório.
Mais do que defender um jornalista, trata-se de defender a sociedade maranhense do silêncio forçado, reafirmando que, em uma democracia, a palavra é livre, o processo é garantista e a censura jamais será rotina judicial.
Fonte:
Processos nº 0893704-07.2025.8.10.0001 e nº 0893707-59.2025.8.10.0001 – TJMA