O acerto de contas de Tião Xoxota e Gabi no cabaré

Por Nonato Reis*

Tião Xoxota se aproximou do cabaré a passos lentos, e deu a última mordida no pedaço de carne assada que comprara no bar de Zé de Aniceto, depois de vender o surubim que pescara. Enquanto caminhava, procurava colocar um pouco de ordem no pensamento. Aquela seria uma noite paidégua, e nada podia dar errado, ainda mais por culpa dele.

Gabi não era uma mulher qualquer, como outras que cruzara o seu caminho, que só queriam tirar proveito do seu dinheiro, em troca de alguns minutos de sexo.

Mesmo sendo quenga, tratava bem os hóspedes da casa, dava a cada um o que lhe era de direito, como carinho, respeito, ouvido, e o melhor: a cura de seus males, seja físico ou psicológico.

Gabi era vaidosa, e talvez essa fosse a sua única fraqueza. Gostava de ser reconhecida por seus feitos considerados milagreiros. “Por entre estas minhas coxas, já corrigi muitos homens desguiados”, costumava dizer em tom de ufanismo.

Podia haver nisso um pouco de exagero, mas o certo é que, “escrevendo certo por linhas tortuosas”, trouxera luz para o povo de Viana, luz que mais do que claridade, projetava esperança. Afinal, ainda não houvera ninguém que, queixando-se de problemas de alcova, não deixasse depois o quarto de Gabi com um brilho especial nos olhos.

Tião era testemunha viva e ocular desse enunciado. Jamais esquecera os maus bocados que teve de enfrentar, quando os moradores colocaram em xeque a sua sexualidade, muitos acreditando mesmo que ele era uma especie de columa do meio, metade homem e a outra metade mulher.

Foi Gabi, com seus métodos heterodoxos, nada convencionais, quem acabou com a celeuma. Bastaram duas horas na cama, que ela chamava de divã, para dar jeito em Tião e dissipar qualquer dúvida sobre a sua condição de macho. “Tu, de mulher só tem a coisa, que não serve pra nada, mas o resto funciona às mil maravilhas”. E, como sempre fazia em situações de gênero, sentenciou. “É macho, sim, senhor”.

Agora Tião estava ali, de frente para a porta da rua do cabaré, prestes a entrar no recinto e dar início ao que chamou de “acerto de contas”.

É que, apesar de grato à mulher, se sentia desconfortável, desde que participara do ritual de cura debaixo dos lençóis dela. Cansada de lutar com o instrumento fálico de Tião, que, por questôes emocionais, não conseguia ficar de pé e perdia peso e volume a cada investida, Gabi colocou a cabeça do homem entre suas coxas, quase o enforcando, e ali parmaneceu com ele preso, até que o falo desse sinais de vida e voltasse a funcionar.

Para Gabi, foi uma vitória estrondosa, quase encarada como milagre, mas para Tião, um cabra macho da linhagem de Cajueiro, o Grande, aquilo soou constrangedor. Onde já se viu ficar cheirando vrilha de mulher por horas a fio, com o pinto mucho feito um maracujá de gaveta!

O homem entendeu que, nesmo não sendo uma disputa declarada, para Gabi aquilo fora um jogo, cuja vencedora fora ela, e não ele. Então começou a planejar a sua revanche, discreta e silenciosa. A morte da mulher Zuca adiou seus planos, e depois os problemas de Belinho, que ele teve que priorizar.

Agora ele se sentia pronto para aquele embate. Seria sem dúvida uma luta paidégua, que ele, como macho viril, haveria de sair vitorioso.

Decidido, cuspiu o chão da rua com a gosma do fumo de rolo que carregava entre os dentes, e bateu à porta. Incontinente, uma mulher de tamanho avantajado e olhos brilhantes, fitou Tião com ar de supresa.

– Você aqui, Tião! Quanto tempo. A que devo a glória?

Tião, como sempre fazia, foi direto ao ponto.

– Vim atrás de uma noitada contigo. Se tu já tem freguê pra hoje, manda embora, que a coisa aqui hoje é entre eu e tu.

Gabi olhou Tião de cima a baixo, como se medisse o seu tamanho e as suas qualidades, e depois, com palavras calculadas, respondeu.

– Olha, se isto fosse só uma trepada à toa, eu já te mandava de vorta pra tua palhoça daqui mesmo, mas como isso está me parecendo um desafio, e tu sabe que eu não sou de torcer caminho, vou liberar a tua passagem. Entra e me espera no quarto.

A voz firme da mulher fez Tião engolir a gosma de fumo que se avolumava dentro da boca. Um leve arrepio percorreu a coluna vertebral do homem de cima a baixo, provocando ondas de suor nas mãos e na testa.

Já no quarto sentiu-se estranho, como se não se reconhecesse ali dentro. Mentalmente repetia a frase que de tão usada, soava como clichê. “Gabi não era uma mulher qualquer, e na cama exigia bem mais do que promessas e arroubos de um velho chucro como ele”. Fechou os olhos e esperou a mulher.

Ia precisar de muita sorte, para dominar aquele furação, mais do que a de pescar um surubim gordo e ovado.

*Jornalista | Escritor – Do livro “As Aventuras de Tião Xoxota”, em processo de edição

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O Editor

Graduado em Jornalismo, Luiz Antonio Morais é pós-graduado em Design Gráfico e Publicitário. Mantém o blog desde 2008, um dos mais antigos do Estado.

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