A cobra de Sebastião Xoxota e a Aranha Negra

Nonato Reis*

Depois que perdera a sua Zuca – a mulher mais bonita, que outra igual o Ibacazinho jamais vira nascer –, e se impor um longo período sabático, Sebastião Xoxota decidiu ceder aos apelos da carne e passou a bater ponto, todos as sextas-feiras, no Luz da Serra, o maior e pior puteiro de Viana – pior no sentido lúgubre da palavra -, situado nos arredores da cidade, para as bandas da estrada das Colheireiras.

Não quis saber de namorar, e muito menos arranjar outra companheira. Mulher para juntar os trapos – ele aprendera com o padre Bento, um italiano que servia nas paróquias ribeirinhas -, só havia de existir uma, por indicação de Deus, para toda a existência terrena. Se a esposa seguia viagem para o além, antes do marido, este havia de se tornar celibatário ou se dar aos prazeres da cama, em doses homeopáticas e aleatórias.

Tião tornou-se, assim, um fiel frequentador da casa de luz vermelha, e ali construiu fama, como amante voraz, à sua maneira rude e desembaraçada.

Tendo feito amizade com o Sr. Nestor, espécie de gerente do cabaré, conquistara o privilégio de “batizar” as damas que chegavam ao recinto, e depois dar o “habite-se”, uma espécie de autorização à candidata, para trabalhar e residir no ambiente.

Nesse ritual, algumas haviam sido reprovadas, e o fundamento era, invariavelmente, a falta de traquejo nas peripécias do ato sexual. Tião apreciava parceiras desinibidas, que ousavam inovar ou surpreender na hora do chamado “vamos ver”. Foi assim com Parafuso Frouxo – uma morena do interior do Pará, que recebera esse apelido por perder o juízo durante a cópula -; Anastácia, a dengosa, que ao simples toque de dedos se derretia feito manteiga na chapa; Joana, a cobiçada, capaz de arrastar uma fila de pretendentes, ávidos por deitarem com ela; Paulinha, dente de aracu, que, depois de atiçada, mordia feito piranha na piracema.

Dividir a cama com Tião, duas vezes ou mais, era a senha para uma boa estadia na casa.

A exceção foi Aranha Negra, uma mulher sem origem determinada (porque a cada incursão na cama apresentava uma nova versão sobre sua procedência), que chegou no cabaré e ali se estabeleceu, sem passar pelo crivo de Tião, por uma circunstância do destino. É que, picado por uma cascavel, passara dois meses recuperando a saúde, que nunca mais fora a mesma.

No vácuo da ausência de Tião, Aranha Negra não apenas ganhou o direito de permanecer na casa, como viu seu nome se espalhar para além dos muros do cabaré.

Muitos a viam como verdadeira máquina de fazer sexo, capaz de atender até uma dezena de homens por noite. Outros, porém, depois da experiência inicial, dela fugiam como o demônio da cruz. A fama de Aranha Negra chegou aos ouvidos de Tião, como haveria de ser, e ele, por óbvio, decidiu tirar a prova dos noves.

Apresentado à mulher pelo gerente do cabaré, Tião a fitou nos olhos, e tratou de ser pragmático.

– Soube que a senhora bota homem pra correr só de cueca da sua cama.

Aranha Negra respondeu com a empáfia de costume.

– Só aqueles que não têm traquejo no ofício.

Tião entendeu o recado e quis abreviar a conversa.

– A senhora quer se deitar mais eu?

A mulher respondeu de bate-pronto.

– Só se for agora, seu Tião.

No quarto, Tião nem teve tempo de abrir a boca, e Aranha Negra já havia se despido, completamente. Pelada e de frente para ele, deitou sobre a cama e acenou com o indicador direito para Tião, como quem diz: “vem”!

Pego de surpresa, e diante daquele matagal que parecia crescer à solta, Tião, por instantes, perdera a fala, mas logo se recompôs, que não era homem de fraquejar ao primeiro baque. Repetindo a mulher, tirou a roupa e deitou do lado dela, estudando o próximo ato. Aranha renovou a ordem, agora em palavras. “Vem, seu Tião. Não tenha medo”.

Tião objetou.

– Assim, não. Tem que ser do meu jeito.

– E qual é o seu jeito?

Tião explicou.

– Quero que a senhora fique em pé na parede, de costa pra mim.

Ela o olhou desconfiada.

– O que o senhor vai fazer?

– Vou botar minha cobra pra comer sua aranha.

Ela sorriu aliviada. Aquilo era o melhor da festa.

Postou-se na parede, e repetiu a ordem mais uma vez.

– Vem!

Tião foi, a cobra pronta para o bote!

A um leve afastar de pernas, escalou a mulher feito peixe no espeto. Ela gemeu de prazer, e Tião, de dor. A cada investida, que parecia varar o ventre de Aranha Negra, Tião sentia uma pontada aguda na uretra, como se uma gilete o retalhasse por dentro. Terminado o trabalho atirou-se na cama, exausto, o nariz resfolegando feito animal prestes a morrer sufocado.

A mulher, de braços abertos grudada na parede, olhou de lado e viu Tião lavado em sangue. Foi até ele e o pegou no colo como um bebê.

– O que foi isso, carneirinho?

Foi então que Tião olhou o baixo ventre ensanguentado, e a cabeça da cobra retalhada.

– Essa tua aranha acabou comigo.

Ela deu de ombros.

– Que culpa eu tenho se tu é afobado?

Depois, num movimento subliminar, recostou a cabeça de Tião no peito e o ninou.

Tião era só lástima.

– Nunca mais quero deitar contigo.

Ela rechaçou.

– Quer sim.

– Quero não.

Aranha Negra olhou Tião nos olhos lacrimejantes e falou com ares de professora.

– Tu não sabe lidar com aranhas, mas eu vou te ensinar, só porque gostei de ti.

Então acariciou os cabelos em desalinhos do homem e conduziu suas mãos para o seu corpo, detendo-se nos pontos de maior sensibilidade. Tião se recompôs rapidamente e quis partir para o ataque de novo, mas ela o conteve.

– Calma, essas coisas exigem tato.

E foi conduzindo Tião de volta às vizinhanças do precipício, até que, refeita e intrépida, a cobra fumou de novo e desapareceu nos labirintos do matagal.

Mais tarde, recuperado nos braços de Aranha Negra, Tião tomou nas mãos o rosto dela, e lhe fez a proposta mais impensável.

– A senhora não quer deitar em minha cama?

Aranha Negra se fez de tola.

– Por que não na minha?

E Tião, com ar superior…

– É que na sua cama muitos se deitam. E na minha só vai caber tu mais eu.

Integra o livro As aventuras de Sebastião Xoxota.

 

*Jornalista | Escritor

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