Por Nonato Reis*
A notícia se espalhou no Ibacazinho como rastilho de pólvora e em pouco tempo era o assunto dominante nas rodas de conversa de bodegas e no ambiente doméstico. Maria Júlia, mulher com mais de 30 anos de rodagem, fora apanhada fazendo sexo com o tio, Tião Xoxota, na própria rede dele.
Quem se encarregara de tocar fogo no paiol fora o próprio namorado de Júlia, um caixeiro viajante de passagem pelo Ibacazinho, que, engraçado pela mulher, engatara relação com ela e já até pensava em casar.
Nenê Castilho, o namorado traído, fora testemunha ocular do colóquio amoroso e se encarregara de dar publicidade, como forma de punir a mulher. “Eu vi, eu mesmo, com estes olhos que a terra ainda há de comer”, berrava diante de todos, os olhos prestes a sacarem das órbitas. “Uma safadeza como jamais vi”.
Contava que, como de costume, fora visitar a namorada no meio da tarde. Entrou na casa e foi direto ao quarto, que tinha a porta só encostada. Empurrou a porta e deu com a cena que o fizera perder o fôlego. “Nunca tinha visto uma coisa daquela. O Tião agarrado na Maria Júlia por trás, completamente nu, como se fosse um bicho”. Pior, dizia Nenê, fora ouvir os berros de prazer da mulher, que uivava feito uma loba. E arrematava, os olhos faiscando. “É triste! Um homem vivido como eu virar corno, sem nem ao menos casar, e por um patife daquele, que tem idade para ser avô dela”.
Para o Ibacazinho daqueles anos, um povoado conservador, que não admitia sequer que a mulher casasse sem ser virgem, aquilo era um desrespeito, uma desfaçatez. O certo era expulsar Maria Júlia do povoado e proibir que ela voltasse a manter qualquer forma de contato com o tio infrator que, por não ter para onde ir, teve que permanecer morando com os pais.
Maria Júlia, vendo-se desamparada e alvo da maldade alheia, arrumou sua trouxa, mas antes de se despedir foi ter com o Velho da Croa, o morador mais antigo do povoado, que, na ausência de um pároco, fazia as vezes de conselheiro da comunidade, ouvindo suas faltas e aplicando eventuais penitências.
– Meu velho, minha vida acabou e só por falta de coragem eu não ponho termo a esta minha existência.
O velho fitou a mulher e quis saber o que de tão grave fizera.
– Eu cometi incesto. Deitei com Tião, meu tio, e fui pega com a boca na botija, ou melhor, no murrão.
O velho, que gozava de respeito e admiração do Ibacazinho, e era tido como um sábio, sorriu, balançando a cabeça.
– Minha filha, você fala como se tivesse cometido um crime.
– E não foi?
– Desde quando incesto é crime?
– Todo mundo fala que não se deve fazer isso. É errado.
O velho sofria de asma e principiou uma crise de tosse que parecia sufocá-lo. Depois, mais calmo, retomou a conversa.
– Pecado é uma coisa. Crime é outra. E mesmo que tivesse cometido um pecado, isso não era motivo para se condenar.
A mulher olhava incrédula para o velho.
– Velho, o que eu fiz foi muito errado. Não tem perdão.
– Minha filha, certo e errado são convenções da vida. Variam de lugar para lugar, conforme os hábitos e costumes. Nos primórdios, os próprios anjos do Senhor, habitando a terra, cometiam esses deslizes. De sorte que era comum mãe emprenhar de filho; tia, de sobrinho; irmã de irmão, e assim sucessivamente.
Depois, cravando os olhos azuis nos castanhos claros da mulher, aconselhou.
– Não te martiriza por tão pouco. Volta para a tua família, e não te sinta condenada. Lembra-te da fábula da mulher adúltera, que flagrada em falta com a lei de Moisés, foi levada à presença de Jesus e acabou absolvida.
Maria Julia, sentindo-se aliviada e livre de repressões, voltou à casa do tio e foi ter com ele, no quarto.
– O senhor lembra que era só uma, e do teu jeito?
Tião, ainda mal refeito do choque de voltar a ver a sobrinha, respondeu.
– Eu lembro, e acho que cumpri o trato.
– Cumpriu apenas em parte.
Tião fez cara de bobo.
– Hã?
– Falta cumprir a minha parte nessa história.
– E qual é a tua parte?
Júlia então tomou o controle da coisa.
Despiu-se de pronto, depois arrancou o calção encardido do tio e fê-lo deitar-se de costas para o chão Subiu sobre ele e ajustou o sexo, que lembrava uma touceira de capim, sobre o nariz dele, e se pôs a lapidar a cara de Tião, num movimento de ir e vir, como se fora um serrote. Muito anos depois, Tião ainda sentia o formigar de pelos no rosto, e o cheiro de uma coisa esquisita a impregnar as narinas.
…
*Jornalista | Escritor. Do livro As Aventuras de Tião Xoxota. Em processo de edição.