Por Nonato Reis*
Das muitas lembranças do meu tempo de menino, a arapuca é a que guardo com especial carinho. Herança dos povos indígenas, se para os nativos tinha a função de garantir o sustento das aldeias, para os moleques do Ibacazinho era pura diversão, uma espécie de jogo de gato e rato com as aves que cruzavam as margens alagadiças do rio Maracu, à procura de alimentos.
Para quem não sabe ou nunca viu o apetrecho, a arapuca lembra uma pequena pirâmide, formada do trançamento de pedaços de paus ou talas de bambu.
Para atrair as aves, há que se armar a arapuca em locais isolados, dentro do mato, próximo à margem dos cursos de água. Embaixo da arapuca faz-se um assoalho de varinhas cruzadas, onde se deposita grãos de milho, arroz ou alpiste.
Depois é só aguardar os horários de visita, sempre pela manhã bem cedo, ao meio-dia e ao fim da tarde. Se a arapuca estiver desarmada, é sinal de que alguma ave caiu na armadilha.
Aprendi a fazer arapucas com Tião Xoxota, primo pelo menos dez anos mais velho que eu e treinado no ofício. Tião dizia que uma boa arapuca devia ser feita de Ameju, uma árvore retilínea, de caule firme, usada no preparo de caniços. “Dura mais e não dá chance do bicho escapar”.
O segredo era escolher bem os cambões, pedaços de pau maiores que constituem a base da estrutura. A partir deles é feito o trançamento das varinhas na direção do eixo, até atingir o topo.
Eu e Tião costumávamos armar as arapucas numa enseada do Maracu, após a Mangueira do Padre, ao lado do Cemitério dos Anjos. Como tinha medo de cruzar o cemitério, evitava visitar as armadilhas sozinho, o que fazia sempre na compnhia do parceiro.
Juriti, Pequapá, Siricória, Surulina, tudo caía nas arapucas. Mas dessas aves, a mais cobiçada era a Pequapá, pela sua carne macia e saborosa, de grande valor comercial. Tião costumava vender as aves em Viana, e com o dinheiro comprar carne de gado no matadouro.
Certa vez Tião conseguiu pegar uma Pequapá enorme, que chegou a pesar mais de 2 quilos. Feliz da vida, decidiu vender logo a penosa e com o dinheiro comprar uns metros de pano na loja de Zezico Costa. “Tô precisando de roupa. Tia Lili pega o tecido e faz umas calças pra mim”, imaginou.
Ocorre que a prima Jaci, uma mulher bonita e boa de papo, se engraçou da ave de Tião e apelou para o coração dele.
-Tião, me dá essa galinha.
– Tá doida? Não é galinha, é pequapá.
– Que seja! Me dá ela.
– Dou nada. Vou é vender.
A prima insistiu.
– Ô Tião, me dá. Deixa de ser ruim. Eu tô desejando. Já pensou se eu tiver prenha? Posso perder o bebê.
Tião olhou a prima de cima a baixo e gostou do que viu.
– Eu até posso dar, se tu me der um tiquinho.
A prima se fez de boba.
– Tiquinho de quê?
– Dessa aranha que tu trás entre as pernas. Só uma mordidinha já me basta.
A prima era esperta e conhecia a falta de jeito do primo.
– Tá bom, eu dou, mas não pode ser agora, que tenho que preparar o almoço.
– E vai ser que hora?
– À noitinha. Depois do jantar.
Tião coçou a cabeça e concordou. Era só mais algumas horas de espera. Dava para segurar o apetite.
– Tá combinado então. Depois do jantar.
E foi se afastando …
A prima interveio:
– Mas e a Pequapá?
– Depois do jantar eu te dou.
A prima reclamou.
– Ô, Tião, me dá logo.
– Tu pode esperar.
– Quem tem fome não espera, homem!
E Tião, na cara dura:
– Eu também tô com fome, mas vou ter que esperar.
*Jornalista | Escritor