Baixada – o sotaque que contagia os ouvidos e o coração!

Luiz Antonio Morais*

Urrou, urrou! Meu novilho brasileiro, que a natureza criou!…

Era noite de maio na pacata e silenciosa Viana da época.

Eu e alguns coleguinhas brincávamos na Rua Antônio Lopes, no bairro Matriz, quando fomos surpreendidos pelo refrão acima e “tocamos o pé de carreira” rumo ao Canto Grande, de onde vinha o inconfundível som de uma toada de bumba-meu-boi da Baixada Maranhense.

Esbaforidos, paramos em frente à residência do simpático e amigo casal, seu Belarmino Gomes (in memoriam), responsável pela administração da seção municipal do Funrural, e dona Rosa Maria Gomes, procuradora aposentada.

Não pedimos licença; adentramos o imóvel, enfeitiçados por aquela toada cantada no nosso conhecido sotaque, um pouco mais cadenciado, porém pela primeira vez ouvida de forma eletrônica na Cidade dos Lagos.

Seu Belo nos recebeu com um largo sorriso, e ao perceber o nosso deslumbramento, de pronto nos mostrou a capa do LP, onde se observava a foto colorida de um batalhão de brincantes, entre vaqueiros, caboclos de pena, índias e o personagem principal, o Boi de Pindaré.

Chamou-nos a atenção, também, a bonita radiola da sala da casa, tipo um móvel em madeira, com uma tampa, e na parte interna um disco de vinil rodava com um indefectível chiado, as toadas com a poderosa voz aguda, a poesia forte e criativa de Bartolomeu dos Santos, o Coxinho, o amo do boi.

Claro que ficamos até o fim, ou seja, ouvimos todas as músicas e depois fomos dormir, talvez até sonhar com aquela inesquecível novidade.

“Urrou do Boi”, eternizada na voz de Coxinho, até hoje é considerada um hino do folclore maranhense e celebrizou o grupo, que é um dos mais antigos e importantes do estado, originando e revelando outros bois de sotaque de Pindaré ou Baixada, entre os mais conhecidos, o Boi Unidos de Santa Fé e Boi da Floresta, em São Luís, e o Boi de São Cristóvão, povoado quilombola de Viana.

Os relatos acima fazem analogia ao sotaque que encanta turistas, visitantes de todo o Brasil e ainda é cultuado de forma bem peculiar nos terreiros na Baixada Maranhense.

Contudo, se alguns grupos desse sotaque se tornaram brincadeiras de apresentação, com horários cronometrados nos arraiais da ilha e outros do interior, pelo menos em Viana ainda se cultiva o modo antigo e tradicional de fazer uma verdadeira “Boiada de São João”.

E, mesmo com a evolução de alguns costumes e o elevado valor logístico para se produzir um “boi de promessa”, ou então para receber um batalhão por apenas uma noitada, com direito a reza para os santos, comidas e bebidas em abundância para os brincantes, os baixadeiros adoram se misturar na brincadeira e “boiar” até o sol raiar.

O nativo Boi da Baixada continua reinando absoluto, com seus tambores cobertos de couro de animais, tambores- onça, apitos, maracás, pandeiros, pequenas matracas, vaqueiros, baiantes com chapéu de pena, tanga e guarda peito, índias e índios, burrinha, cazumbas e um novilho corpulento com chifres enfeitados de forma artesanal com papel de seda, uma reluzente estrela na testa, e cujo couro, ou lombo, é bordado com miçangas/canutilhos e se reflete nos tecidos das cores preta, azul, vermelha e branca, formando uma barra que varre o chão durante um imutável bailado que só se vê na Baixada.

Atualmente, com todas as músicas sendo gravadas, seja em modernos equipamentos de áudio e vídeo, pelo celular ou outros apetrechos eletrônicos, o “sotaque baixada” sempre contagia os ouvidos e os corações, seja ao vivo nos terreiros, nas emissoras de rádio, TV ou nas redes sociais durante a festança junina.

E uma recordação da memória afetiva continua viva e atual, legado de Coxinho – poeta do povo -, que eternizou o sotaque musical dos bois da nossa querida região.

“Capricho do brasileiro, tem o emblema da nação; é esse, é esse, a beleza do Nordeste, orgulho do Maranhão!”

 

*Luiz Antonio Morais é natural de Viana. Jornalista, Publicitário e Designer Gráfico. É membro da Academia Vianense de Letras (AVL).

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O Editor

Graduado em Jornalismo, Luiz Antonio Morais é pós-graduado em Design Gráfico e Publicitário. Mantém o blog desde 2008, um dos mais antigos do Estado.

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