No puteiro, Tião conversa sobre a sexualidade do filho

Nonato Reis*

Sebastião Xoxota chegou ao “Luz da Serra” – maior casa de diversão noturna de Viana – com o sol a pino. Tirou o chapéu de pallha da cabeça, que não poderia adentrar o recinto (mesmo se tratando de um puteiro), sem o devido respeito, sentou-se na calçada frontal, e ficou a matutar, antes de bater na porta. O fato de Belinho Xoxota ter pedido guarida para Gabi, após expulso de casa pelo pai, fê-lo refletir sobre uma questão de ordem existencial.

Tião alimentava sérias dúvidas quanto à masculinidade do filho, e isso não se devia apenas à coisa que carregava nas costas, herança dele próprio; mas ao comportamento do filho.

Apesar de próximo de assumir a maioridade – tinha 17 anos incompletos – Belinho era um rapaz fora dos padrões de um cabra macho, para o Ibacazinho dos anos 80. Não gostava de brincar com os meninos da sua idade, não jogava futebol – o esporte preferencial dos homens, nem frequentava bares.

Preferia ficar em casa, fazendo tarefas domésticas, como cozinhar e lavar louça. Certa vez Tião o flagrara vestindo uma boneca, o que rendeu ao menino uma bela surra, só interrompida com a intromissão de Zuca, que sempre procurava proteger a criança, mas não sem antes brigar com Tião.

– Deixa de ser cruel com o teu filho.

– Ele parece um baitola!

– É só uma criança.

– É de criança que se faz um homem.

Agora Belinho estava morando na “casa da luz vermelha”, e a esperança de Tião é que aquela convivência no meio das quengas servisse para corrigir a tendência do rapaz. Além disso, estava sob a guarda de Gabi, uma mulher vivida, que sabia lidar com a espécie como ninguém.

A mulher se gabava de já haver curado centenas de homens dos mais diversos males, desde brochura à ejaculação precoce e fantasias estranhas. “Entre estas minhas coxas já botei muitos marmanjos no bom caminho”, costumava exaltar, entre gargalhadas e goles de cerveja.

Se a mulher arranjara cura para tantos desguiados, por que não também para o seu Belinho?

– Como vai, Tião. Sonhando com a morte da bezerra?

A irrupção de Gabi na porta do puteiro tirou Tião daquela reflexão.

– Como vai, Gabi? Não arrepare o adiantado da hora, mas estou aqui por necessidade de pai.

Gabi não perdeu a pose, e falou como se já esperasse a visita de Tião.

– Se avexe não, que mais cedo ou mais tarde este encontro ia se dar. Aliás, ando muito saudosa da sua presença. Antes você batia ponto no recinto… de uns tempos para cá se escafedeu.

– Eu sei, Gabi, e prometo arremediar minhas faltas sem delonga. Mas hoje o que me traz aqui é o Abelardo…

– Sei… o nosso menino. Posso dizer que ele está bem, apesar das malcriações do pai.

Tião consertou a garganta e deu uma cusparada de fumo de rolo, como sempre o fazia quando contrariado.

– Gabi, eu não vim aqui ser destratado. Vim saber do meu filho.

– E o que você quer saber sobre ele? Certamente não é se está bem ou mal, acertei?

– Sobre isso tu já respondeu. Mas quero saber também como tem sido esses dias com ele aqui, junto das meninas?

Gabi, como de costume, foi direto no ponto.

– Você quer saber se ele trepou com as meninas?

– Com alguma, pelo menos. Ele já está quase dono do nariz. Já era pra ter sido batizado no ofício.

– Aqui ele não trepou. Posso te garantir. Tá zerinho.

– E o que ele fez aqui esse tempo?

– Conversou comigo. Falou do seu medo de chuva, da aparição de Zuca e das suas grosserias, mandando o menino embora de casa. Onde já se viu uma maluquice dessa!

– Mas e com as meninas? Nada?

– Nada do que você está pensando. Ele conversa com elas, brinca de muitas coisas. Algumas até se afeiçoaram, cobrem ele de cuidados. É um bom menino.

Tião pigarreou novamente, expondo no cenho as marcas da frustração. Depois fitando Gabi, como se ela tivesse a resposta para o seu dilema:

– Gabi, fala “sero” comigo. Você acha que o Abelardo é veado?

Gabi deu de ombros.

– E que importância tem isso, homem? Veado tem por toda parte, e apesar de causarem prejuízo ao estabelecimento, sempre me dei bem com eles, mais do que com os que se dizem machos, que na hora do pega pra capar valem bem menos do que um par de coxas roliças e uma touceira de capim no meio.

– Tião parecia não ouvir Gabi, e refez a pergunta:

– Você acha que ele degenerou?

– Se degenerou, tem a quem puxar, né, seu Tião!

– Gabi, tu me arrespeita, que eu já provei que sou homem.

– Sim, depois que se enfiou entre minhas pernas …

Tião não cabia em si de ansiedade, e tratou de retomar a questão.

– Arresponde o que te perguntei.

Gabi suspirou resignada:

– Eu não sei se ele é homem ou veado. Mas se tu tem essa dúvida, e isso tira o teu sono, pega o teu filho, leva de volta pra tua casa, e procura agir como pai, que nesse terreno, tu tem sido uma lástima.

Então abriu as portas do puteiro, e convidou Tião a entrar.

Dentro do cabaré, e a um grito de Gabi, Belinho apareceu, o olhar assustado.

– O que foi, pai. Por que o senhor está aqui?

– Em vim te buscar. Arruma a tua trouxa.

Abelardo resistiu.

– Pai, eu quero ficar aqui.

Os olhos de Tião faiscaram.

– Debaixo do meu relho, tu não tem querer. Pega teus panos de bunda e vem comigo, que vamo ter uma conversa de homem pra homem.

*Jornalista | Escritor – Do livro As aventuras de Tião Xoxota, em processo de edição.

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O Editor

Graduado em Jornalismo, Luiz Antonio Morais é pós-graduado em Design Gráfico e Publicitário. Mantém o blog desde 2008, um dos mais antigos do Estado.

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