Por Nonato Reis*
Nos versos de Arnaldo Jabor, depois imortalizados por Rita Lee, sexo é um imperativo da libido, uma força descomunal que atropela dogmas e códigos de conduta. Sexo “é imaginação, fantasia…célula de epilépticos”. Ou seja, coisa de doido. E ainda assim, o sonho de qualquer ser humano, normal ou insano.
Algo tão avesso ao catecismo cristão, à moral e aos bons costumes pode-se dizer que seja uma criação de Deus? Ou seria uma trama do demônio?
Para Jabor, sexo é simplesmente animal. E ensina: sexo sem amor é amizade; e amor sem sexo, vontade.
Desejo descontrolado era o que Tião Xoxota sentia por Maria Júlia. Tião, um pescador curtido sob o sol do rio Maracu, nunca deitara com mulher. Sua vivência nos domínios da carne se limitava a práticas de zoofilia, que, àquela época, no Ibacazinho, era uma coisa tão corriqueira quanto o ato de tomar banho.
Houve até o caso de um vaqueiro que, apaixonado por uma égua, levou o animal para dentro de casa e com ela conviveu como se maritalmente, para o desencanto da mulher, que teve que aguentar a loucura do marido até que ele, refeito da insanidade, pôs fim à relação.
Tião sonhava com Maria Júlia a qualquer hora da noite ou do dia e isso começou a afetar os nervos e mesmo o pensamento. Era vê-la caminhar fazendo pose de sereia, naquele passo que mais parecia uma dança, um gingado, e uma descarga elétrica o atingia em cheio, fazendo-o estremecer, a baba a escorrer pelos cantos da boca.
Quanto mais resistia, mais o desejo de ceder o dobrava. Tião, treinado no ofício cristão, temente a Deus e aos seus mandamentos, achava que aquilo só podia ser armação do rabudo. Onde já se viu desejar a própria sobrinha? Isso mesmo. Maria Júlia, apesar de apenas dez anos mais nova que ele, vinha a ser filha mais velha de Rosa Fudêncio, irmã de Tião, e neta do velho Cajueiro, o Grande, pai dele.
A coisa piorou de vez quando Maria Júlia, que morava em Viana com a família, resolveu passar uma temporada na casa do avô, Ibacazinho e, por falta de cômodos na casa, fora alojada no quarto que servia de dormitório para Tião. Como gostasse de dormir em rede e houvesse apenas uma cama com assoalho de varinhas de paparaúba, arranjaram um armador para Júlia, com a rede suspensa sobre o leito de Tião.
À noite, só de calcinha, Júlia gostava de passar cremes nos seios – alvinhos, em forma de amêndoas – e o fazia sob o olhar ávido do tio, que para ela era como um pai ou irmão mais velho, tal o carinho que sentia por ele. Terminada a sessão de massagem, a mulher vestia a camisola e tirava a calcinha, atirando-a para um dos cantos da cama. Chapado de testosterona, Tião pegava a calcinha da sobrinha, depois de um dia de uso, e a cheirava intensamente. Aquilo o fazia adentrar uma esfera transcendental de sonhos e delírios.
Uma noite, em que o povoado celebrava o sábado de aleluia, com uma festa dançante ao som de Amado Batista, Reginaldo Rossi e Odair José, Júlia quis dançar com o tio, e o conduziu para o meio da ramada de chão de terra batida. Levado pelos bons fluidos da música e o contato com o corpo da mulher, Tião apertou a sobrinha contra si e começou a fungar no pescoço dela, que estremeceu e deu um suspiro. Tião achou que havia reciprocidade e a mordeu no cangote. Júlia deu um pulo para trás e o encarou, os olhos assustados.
– Ficou doido, tio? O que foi isso?
Tião, no auge do desespero, deixou fluir aquela torrente de paixão até então represada. Disse que a queria para si, nem que fosse uma noite sequer; um tiquinho apenas, mas que deitasse com ele. “Não consigo mais controlar essa loucura. Quero trepar com contigo”. A mulher, os olhos estupefatos, parecia ter visto fantasma.
– Tião, tu enlouqueceu. Vai te tratar. Eu sou tua sobrinha, podia ser filha. Isso é coisa do demônio.
Depois, ameaçando contar tudo à mãe, caso não parasse com aquilo, abandonou-o no meio do salão e voltou para casa. Por falta de espaço e de argumento, teve que continuar dormindo com ele no mesmo quarto, porém, deixou de massagear os seios e de tirar a calcinha.
Para fugir do cerco do tio, que parecia impregnado de tesão por todos os poros, arranjou até namorado, um caixeiro viajante em passagem pelo Ibacazinho, e tratou de grudar no rapaz feito mosca na sopa.
Tião deu o caso como perdido – aquilo só podia ser mesmo maquinação do demo – e tentou retomar sua rotina na roça e no rio. Pela manhã, se dedicava a pescarias de anzol e tarrafa; à tarde, às plantações. Júlia, por se sentir mais livre, e aproveitando que os moradores da casa passavam o dia fora – levou o caixeiro para dentro de casa e passou a deitar com ele todas as tardes na cama do tio.
Uma tarde em que as forças do pecado resolveram conspirar, o namorado de Júlia não pode ir ao encontro usual e Tião, sentindo-se indisposto, voltou para casa antes da hora.
Ao adentrar o quarto deu com a sobrinha de bruços, na cama, completamente nua, entregue à cesta do sol vespertino.
Tião, o corpo todo em ebulição, tirou o calção encardido e deitou-se ao lado dela, que deu um leve suspiro e o tateou naquele ponto mais sensível, imaginando tratar-se do namorado.
Tião então deitou sobre ela, afastando-lhe as pernas, e a penetrou de um só golpe, feito garrote no cio. A mulher deu um grito e virou-se de frente, dando com o tio naquele estado. Então gritou: “Valha-me, meu São Jerônimo!” E o estapeou até se sentir exausta. Entre lágrimas e fungados, Tião implorou por clemência, e mais ainda, por oportunidade.
– Me ajuda a vencer o demônio, e para isso, eu preciso deitar contigo. É só uma vez. Do meu jeito.
A mulher quis saber que jeito era aquele.
– Quero te escalar por trás que nem peixe no espeto.
Júlia não se conteve:
– Moleque! Safado! Insolente!
Encheu-lhe a cara de tapa de novo. Vestiu-se, pegou suas coisas e mudou para o quarto do avô, disposta a contar tudo a ele. A imagem do tio sobre si e aquelas palavras de despudor deixaram-na devastada, e ela não conseguiu mais pensar com a cabeça. Voltou ao quarto do tio e, os cabelos em desalinhos, o abordou, resoluta:
– O senhor jura que é só uma vez?
Tião, os olhos brilhantes, beijou os dedos em cruzes.
– Juro. Pelo que for mais sagrado.
Então, os dois como nasceram – ela em pé, de frente para a parede, ele encaixado por trás, se entregaram ao pecado. E foram tantas as repetições que até o tempo deixou de existir.
…
*Jornalista | Escritor – do livro As Aventuras de Tião Xoxota, a ser lançado em dezembro de 2025.